Por Luís Valadares Tavares |
1.O Processo Legislativo
Depois de longo e tortuoso processo foi publicado o Decreto-lei 111-B/2017 que transpõe as Diretivas 2014/24/UE e 2014/25/ UE relativas aos mercados públicos clássicos e aos setores especiais, transpondo ainda parcialmente a Diretiva 2014/23/EU relativa a concessões. Na verdade, esta transposição é parcial pois o Artigo 492º-2 do citado Decreto-Lei refere que será publicada legislação especial sobre as concessões de serviços públicos. O prazo de transposição também foi excedido pois terminara já em Abril de 2016.
Embora não duvide que os numerosos debates e análises irão produzir volumosas apreciações e críticas a este decreto cuja dimensão se aproxima dos 500 artigos (dimensão não ultrapassada pelos decretos equivalentes nos outros Estados da UE) e em que 51% dos artigos do CCP não se mantiveram, ou por serem alterados, ou por serem revogados ou ainda pela adição de novos artigos, gostaria de sugerir pausa reflexiva sobre a epistemologia e a própria metodologia da legística no domínio dos mercados públicos com o objetivo de permitir dispor de melhores e mais modernas leis.
Para tal, irei referir brevemente três axiomas, duas confirmações, três constatações e uma conclusão.
2.Axiomas:
Julgo que será evidente que a sociedade moderna baseada em quadros de globalização e de intervenção humana acrescida por incríveis desenvolvimentos tecnológicos desde a Economia Digital à Biogenética atinge níveis de complexidade e de exigências interdisciplinares nunca antes imaginados.
Os Mercados Públicos também ilustram tais níveis bastando recordar, por exemplo, os desafios comunitários da Agenda UE 2020 que tanta influência tiveram nas novas Diretivas ou os novos problemas da contratação pública de serviços tecnológicos e complexos que tão elevada percentagem de valor já atingem. Na verdade, estou certo que nenhum académico, qualquer que seja a sua área, pode ficar indiferente aos múltiplos erros conhecidos em tal contratação no âmbito da Administração Interna e que terão contribuído para tragédias nacionais que a todos nos envergonham e comovem.
A epistemologia da construção legislativa exige a potenciação e o tratamento rigoroso dos conhecimentos e dos conceitos de todas as disciplinas envolvidas e abrangidas pela natureza do objeto e do âmbito da legislação a preparar até para poder analisar e avaliar as opções alternativas. Será possível, por exemplo, legislar sobre a procriação assistida sem o concurso dos especialistas de Genética e Bioengenharia garantindo a utilização rigorosa dos conceitos necessários e a avaliação das alternativas legislativas?
3.Confirmações:
A- A bibliografia científica sobre legística confirma as exigências de incorporação do saber interdisciplinar sendo oportuno citar a interessante comunicação recentemente apresentada por Balthazar Durand – Jamis na conferência da rede internacional de doutoramentos em Direito (INLDSL) de 2016:
“Current discussions on law’s methodology are marked with (relatively) new concerns about the necessity to include other disciplines in legal practice and in scientific legal research. As the invitation letter for this Conference suggests, three different levels are, at least, involved in the debate. a) The first one regards the contribution of other disciplines as a way to find better answers to practical legal questions or disputes. b) The second one regards the ways in which law, as an academic discipline, benefits from a cross-disciplinary perspective. c) The third one is mainly oriented on legal education”.
B- É também consensual a confirmação relativa à importância de garantir a “transparência“ do processo legislativo exigindo este conceito a clara e plena justificação das opções preferidas pelo legislador o que implica a divulgação dos documentos de apoio em que se fundamentam tais opções. Tal recomendação consta, aliás, do documento orientador sobre preparação legislativa editado pela AR em 2008 [Colaço e Araujo, 2008, “Regras de Legística a observar na elaboração de actos normativos da AR”, AR] :
“Após a elaboração das várias alternativas legislativas, é possível proceder à realização de estudos de impacto normativo dessas mesmas alternativas, de modo a melhor fundamentar a opção por uma delas”.
Com os estudos de impacto normativo, normalmente realizados por especialistas da área económica, pretende-se aferir qual a relação custo/benefício na adopção de uma determinada solução, sendo conveniente quantificar os custos e os benefícios que se associam a cada uma das alternativas legislativas e confrontá-los, de modo a existir uma percepção das vantagens económicas inerentes a cada uma das alternativas.”
4.Constatações:
A- Em relação ao processo de preparação do DL 111-B/2017 parece ser indesmentível que não são conhecidos quaisquer documentos de apoio em que se tenham fundamentado as opções tomadas designadamente sobre os impactos sociais, económicos e empresarias inerentes a mudanças não decorrentes das diretivas e introduzidas nas últimas etapas de preparação. Como exemplos citem-se os Artigos 36º,46º-A, 47º-3, 74º-1 b), 74º-6 e 370º.
B- Não se conhecem quaisquer referências à obtenção do contributo de especialistas de disciplinas essenciais à regulação dos mercados públicos, designadamente, Economia, Gestão Pública, Engenharias, Tecnologias Digitais e Teoria da Decisão. Esta orientação é confirmada pela constituição do último Grupo Trabalho cuja constituição foi tornada pública e que apenas inclui professores de Direito para além de representante institucional. Como é evidente, esta observação em nada reduz o meu elevado apreço pelo empenhamento e pela generosidade dos referidos colegas que contribuíram com todo o seu saber para tão espinhosa missão.
C -Para além das críticas de natureza jurídica-ou mesmo de desrespeito pela Constituição e pelo Código do Procedimento Administrativo o que talvez seja o caso do Artigo 74º-6 e do Artigo 259º-3, respetivamente – são numerosas as deficiências conceptuais e falhas de rigor do âmbito das disciplinas referidas as quais analiso no livro que publiquei: “O Guia da Boa Contratação Pública : As Diretivas de 2014 e o Decreto-Lei 111-B/2017”, OPET, 2017 ( em WWW.OPET.PT). A Declaração de Retificação nº 36-A/2017 do Decreto-Lei 111-B/2017 publicada a 30 de Outubro de 2017 é invulgarmente longa e contém novos erros (caso dos nºs 23 e 24), constatando-se, assim, uma vez mais, as dificuldades metodológicas em apreciação.
5.Conclusão
Dos axiomas referidos e suas confirmações bem como das constatações enunciadas é possível concluir por simples aplicação da lógica dedutiva que o processo legístico adotado para transpor as Diretivas não obedeceu ao prazo previsto nem aos princípios epistemológicos e metodológicos recomendados e adaptados às exigências de modernidade dos mercados públicos.
Luís Valadares Tavares, 30 de Outubro de 2017
Após ter assistido à várias seções de apresentação do Novo Código, é de minha opinião que o Novo Código finalmente consegue transpor a Lei Comunitária e simplifica o processo de contratação Pública. É ainda de salutar que o Legislador tenho conseguido uniformizar o Novo Código para que a sua leitura e interpretação para os Técnicos que estão diretamente ligados à Contratação Pública seja mais clara e precisa.